Pontos Controvertidos dos Alimentos Devidos pelos Pais com a Maioridade e as Questões Processuais Decorrentes
A obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos é um tema central no direito de família, regulado pelos princípios da solidariedade e do trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade. Contudo, essa obrigação ganha novos contornos quando os filhos alcançam a maioridade, suscitando questões controvertidas tanto no âmbito material quanto no processual.
1. A Extinção Automática do Dever Alimentar com a Maioridade
O Código Civil, em seu artigo 1.635, inciso III, dispõe que o poder familiar cessa com a maioridade ou a emancipação. Consequentemente, o dever de sustento dos pais, enquanto parte integrante do poder familiar, também se extingue. No entanto, isso não significa que a obrigação alimentar cesse automaticamente. Com a maioridade, o fundamento para os alimentos deixa de ser o dever de sustento e passa a ser a relação de parentesco, prevista nos artigos 1.694 a 1.710 do Código Civil.
Para que os alimentos sejam mantidos após a maioridade, o alimentando deve comprovar que ainda necessita do auxílio financeiro dos pais, especialmente para concluir seus estudos ou em razão de incapacidade para o trabalho. Esse ônus da prova recai sobre o alimentando, conforme entendimento pacífico da jurisprudência, como expresso no enunciado 358 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.”
2. Requisitos para a Concessão dos Alimentos na Maioridade
A manutenção dos alimentos na maioridade não é automática e depende da comprovação de situações específicas que justifiquem a continuidade da dependência financeira do alimentando:
Matrícula em instituição de ensino superior: É amplamente aceito pela jurisprudência que os alimentos podem ser mantidos para custear os estudos em nível superior. Contudo, a matrícula em um curso universitário deve ser comprovada, e a situação deve inviabilizar o trabalho regular do alimentando. A jurisprudência destaca que, na modalidade de ensino a distância (EAD) ou em cursos noturnos, é possível conciliar estudos e trabalho, o que pode levar à redução ou extinção dos alimentos.
Incapacidade laborativa: Filhos maiores com alguma condição de saúde que os impeça de ingressar no mercado de trabalho podem continuar recebendo alimentos, desde que comprovem tal incapacidade por meio de laudos médicos e outros documentos probatórios.
A concessão de alimentos, contudo, não deve se tornar um estímulo ao "parasitismo". Esse entendimento encontra suporte na jurisprudência, que ressalta que o dever alimentar dos pais não deve ser confundido com a obrigação de sustentar indefinidamente filhos maiores que possuem plena capacidade para o trabalho. Como pontuado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“O dever alimentar entre pais e filhos não pode ser perpetuado de forma a estimular a dependência financeira sem justificativa concreta, sob pena de se criar uma relação de parasitismo incompatível com os princípios da dignidade humana e da solidariedade familiar” (REsp 1.698.391/SC).
Nesse contexto, os alimentos não devem ser concedidos para sustentar um padrão de vida incompatível com as necessidades reais do alimentando, nem servir como incentivo para que o filho maior permaneça inativo ou desprovido de iniciativa para buscar sua própria autonomia financeira.
3. A Necessidade de Reavaliação do Dever Alimentar
Com a maioridade, presume-se que o filho possui capacidade para prover o próprio sustento, salvo demonstração em contrário. Nesse contexto, os alimentos devem ser reavaliados para verificar:
Necessidade: O alimentando deve comprovar que permanece dependente financeiramente dos pais, seja para a conclusão de estudos ou devido a incapacidade para o trabalho.
Possibilidade: A capacidade econômica do alimentante deve ser analisada, considerando outros encargos, como novos dependentes ou alterações na renda.
Proporcionalidade: A obrigação alimentar deve ser ajustada ao equilíbrio entre as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante.
4. Questões Processuais Decorrentes da Maioridade
A maioridade também traz implicações processuais relevantes nos litígios envolvendo alimentos:
a) Legitimidade Processual
Com a maioridade, o filho adquire plena capacidade civil e processual, conforme disposto no artigo 5º do Código Civil e no artigo 71 do Código de Processo Civil (CPC). Isso significa que o alimentando passa a ser o titular exclusivo do direito de ação nos processos de alimentos, sendo obrigatória a sua representação direta nos autos. Qualquer ato praticado em nome do alimentando por sua genitora após a maioridade pode ser considerado nulo, salvo ratificação expressa.
b) Alteração de Representação
A mudança de legitimidade processual exige regularização nos autos, o que inclui a apresentação de procuração válida ou manifestação expressa do alimentando. A ausência dessa regularização pode ensejar nulidades processuais, especialmente em decisões que fixem ou majoram alimentos após a maioridade sem observância da capacidade plena do filho.
c) Destino dos Pagamentos
Com a maioridade, o valor dos alimentos deve ser pago diretamente ao alimentando, e não mais ao genitor responsável por sua guarda. Essa alteração é decorrência da autonomia financeira presumida do filho maior e da finalidade dos alimentos, que visam assegurar sua subsistência direta.
5. A Controvérsia em Torno da Extinção ou Redução dos Alimentos
Outra questão controvertida é a continuidade ou não dos alimentos na fase de transição para a maioridade. Filhos em fase de conclusão de ensino médio ou iniciando a vida acadêmica geralmente demandam apoio financeiro contínuo. Contudo, a fixação de valores elevados sem comprovação de despesas específicas pode gerar onerosidade excessiva para os alimentantes.
A jurisprudência tem variado em relação ao limite etário para a obrigação alimentar, frequentemente aceitando a manutenção até os 24 anos, desde que comprovada a matrícula em curso superior. No entanto, a ausência de comprovação de matrícula ou de incapacidade laborativa pode levar à extinção ou significativa redução do encargo alimentar.
6. Conclusão
Os alimentos devidos pelos pais com a maioridade dos filhos representam um tema que exige ponderação entre os princípios da solidariedade familiar e da autonomia individual. Enquanto o dever alimentar pode ser mantido, ele deve ser ajustado às novas circunstâncias do alimentando e do alimentante, sempre observando os critérios de necessidade, possibilidade e proporcionalidade.
A análise cuidadosa dos requisitos materiais e processuais é essencial para evitar abusos e assegurar uma decisão equilibrada. Os alimentos, enquanto expressão de solidariedade familiar, não devem se tornar um instrumento que perpetue a dependência injustificada, mas, sim, garantir suporte nos casos em que a necessidade é comprovada e legítima.
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