Cláusula Abusiva - Cobrança de valores sem contraprestação
Nem sempre as cobranças previstas em contratos de adesão são devidas pelos consumidores. Quando há previsão no contrato de adesão de uma cobrança sem que haja contraprestação do prestador de serviços, essa cláusula é abusiva e pode ensejar a devolução dos valores que eventualmente sejam pagas em dobro.
No caso concreto determinada prestadora de serviço exigia o pagamento de período no qual os serviços foram suspensos para a retomada da prestação regular dos serviços ao consumidor.
A questão foi submetida ao judiciário que entendeu pela nulidade da cláusula que prevê o pagamento no período em que os serviços estavam suspensos ante a manifesta abusividade.
Sobre o tema, confira-se o recente julgado do TJRJ:
"Dispensado o relatório na forma do disposto no artigo 38 da Lei 9.099/95. Trata-se de ação ajuizada pelo rito da Lei 9.099/95 por xxxxxxx em face de xxxxxxx, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, na qual requer restabelecimento dos serviços com recebimento da correspondência e atendimento da linha telefônica (21) xxxxxxxxxx e pagamento pelo cartão de crédito e no preço pactuado, declaração da quitação de janeiro e fevereiro, emissão de boleto para pagamento de março e abril, declaração da nulidade da cláusula 1.7 e R$10.000,00 pelos danos morais. Decisão às fls. 48 indeferindo o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Devidamente citada, a ré apresentou contestação (fls. 60-66), onde pugnou pela improcedência dos pedidos, considerando que o contrato foi suspenso porque o autor deixou de realizar o pagamento de 4 mensalidades (24/01/19, 24/02/19, 24/03/19 e 24/04/19); que inexistiriam danos a serem indenizados. É o breve resumo.
Passo a decidir.
Inicialmente, cumpre salientar que a relação entre as partes é de consumo, ocupando a parte autora a posição de consumidor, destinatário final do serviço e parte mais vulnerável da relação contratual (artigo 2º CDC), e a parte ré a posição de fornecedor (art. 3º CDC). Narra o autor que celebrou contrato para os serviços de ¿escritório virtual¿ com a ré. Aduz que os pagamento eram efetuados mediante débito em seu cartão de crédito, mas que em janeiro/20 o contrato foi terminado por inadimplência de algumas faturas. Após a análise dos documentos juntados aos autos verifico que o autor efetuou o pagamento de 10 parcelas em 2019, sendo que a primeira se refere ao depósito garantia. Sendo assim, entendo que o autor estaria inadimplente com relação à 3 parcelas: 25/02/2019, 25/03/2019 e 25/04/2019. A discussão a respeito do pagamento de tal período e se os serviços estavam ou não suspensos não tem relevância para a causa, uma vez que, o próprio autor pede que a ré emita os boletos referentes aos meses em que não houve o débito em seu cartão. O único ponto a ser ressaltado é que ambas as partes se equivocam a respeito de uma das parcelas em discussão. O autor confunde o depósito garantia com o pagamento de uma mensalidade e a ré não reconhece o pagamento da mensalidade de janeiro. Sendo assim, interpretando o conjunto da postulação, nos termos do que autoriza o art. 322, §2º CPC/15, entendo que a ré deve emitir os boletos de pagamento dos meses de fevereiro, março e abril de 2019, sem qualquer encargo para o autor. Esclareço que o autor já havia autorizado o débito em seu cartão e, como a ré não comprova que teria notificado a ocorrência de problemas nos pagamentos (seu ônus: 373, II CPC/15), entendo que o autor tinha a legítima expectativa de que os pagamentos estavam ocorrendo de forma usual. Ressalto que os serviços continuaram sendo prestados até dezembro/2019, assim como os pagamentos mensais efetuados. Sendo assim, como a ré deu causa ao problema narrado e considerando que certamente isso acarretou prejuízos para o labor do autor, entendo que há danos morais a serem compensados, os quais fixo em R$5.000,00. Para a fixação deste valor, pondero a perda do tempo útil do consumidor e que o problema afetou o seu trabalho. Com o pagamento das parcelas em aberto, único empecilho para a continuação da prestação dos serviços, o pedido de seu restabelecimento deve ser julgado procedente. Declaro a nulidade do seguinte trecho da cláusula 1.7 (fls. 96): ¿(¿) pelo período em que seu contrato teria durado se não o tivéssemos rescindido.¿ Esclareço que esse trecho é o final desse excerto: ´Se encerrarmos um contrato por quaisquer motivos mencionados nesta cláusula, isso não encerra nenhuma de suas obrigações financeiras, inclusive, entre outras, pelo período em que seu contrato teria durado se não o tivéssemos rescindido.¿ Com o encerramento do contrato, a ré não pode exigir o cumprimento das obrigações financeiras por todo o período em que o contrato teria durado, eis que se trata de cláusula que coloca o consumidor em desvantagem exagerada nos termos do art. 51, IV CDC. Pelo exposto, JULGO: 1. PARCIALMENTE PROCEDENTE, com base no art. 487, I CPC/15, o pedido para condenar a ré ao pagamento de R$5.000,00 a título de compensação pelos danos morais suportados pela parte autora, acrescidos de juros e correção monetária a partir da sentença. 2. PROCEDENTE, com base no art. 487, I CPC/15, o pedido para condenar a ré a emitir os boletos dos meses de fevereiro, março e abril de 2019, sem a incidência de qualquer encargo, no prazo de 10 dias corridos, com vencimento para 30 dias após a emissão, sob pena de impossibilidade de cobrar essas faturas. 3. PROCEDENTE, com base no art. 487, I CPC/15, o pedido para condenar a ré a restabelecer o contrato, nos termos avençados entre as partes, a partir do pagamento das faturas mencionadas no item 2 pelo prazo de, no mínimo 12 meses (prazo remanescente do contrato), sob pena de multa diária de R$100,00, inicialmente limitada a R$1.000,00. 4. PARCIALMENTE PROCEDENTE, com base no art. 487, I CPC/15, o pedido para declarar a nulidade do trecho ´pelo período em que seu contrato teria durado se não o tivéssemos rescindido´ da cláusula 1.7 do contrato. 5. PARCIALMENTE PROCEDENTE, com base no art. 487, I CPC/15, o pedido para declarar a quitação da mensalidade de janeiro/2019. Deixo de condenar em despesas processuais e honorários advocatícios com base no artigo 55 da Lei 9.099/95."
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