A interpretação do silêncio nas Contratações
O mundo moderno é marcado pela velocidade das comunicações, e com o advento da tecnologia, o uso do e-mail e outras formas de correspondência eletrônica tornou-se uma prática comum nas relações comerciais e pessoais. No entanto, a comodidade e agilidade desses meios de comunicação podem, por vezes, levar a equívocos e questionamentos legais, especialmente no que diz respeito a contratações e alterações contratuais.
O exemplo da RGS é bastante relevante para ilustrar a problemática das contratações e alterações contratuais tácitas por meio de e-mails e correspondências não respondidas.
Recentemente, a RGS, uma conhecida empresa que oferece espaços de trabalho compartilhados e serviços de escritório para profissionais e empresas, decidiu adicionar um novo serviço de digitalização de correspondências aos pacotes dos seus clientes, com o objetivo de fornecer maior comodidade e praticidade.
Entretanto, em vez de obter a expressa concordância dos clientes antes de incluir esse serviço em suas faturas, a RGS optou por enviar um e-mail informando sobre a adição automática do serviço e informando que, caso os clientes não quisessem o novo recurso, deveriam responder ao e-mail solicitando o cancelamento.
Essa prática de alteração contratual tácita através do e-mail gerou diversas reclamações por parte dos clientes da RGS. Muitos deles alegaram que não haviam percebido a comunicação enviada pela empresa, o que resultou em cobranças adicionais indevidas em suas faturas. Além disso, alguns clientes relataram dificuldades em cancelar o serviço após a inclusão automática.
Nesse caso, a inclusão do serviço de digitalização de correspondências através do silêncio dos clientes não foi considerada uma forma adequada de alteração contratual. O princípio do consensualismo exige que a adesão a novos serviços ou alterações contratuais seja expressa e inequívoca, o que não ocorreu no exemplo da RGS.
A situação vivenciada com a RGS destaca a importância de que as empresas adotem práticas contratuais claras e transparentes, especialmente em relações de consumo. O uso do e-mail para comunicação com os clientes é válido e conveniente, mas quando se trata de alterações contratuais, é essencial obter a expressa concordância dos envolvidos antes de implementar qualquer mudança. Caso contrário, as empresas podem enfrentar problemas legais, insatisfação dos clientes e danos à sua reputação.
Neste artigo, abordaremos a questão da impossibilidade de contratações e alterações contratuais tácitas, ressaltando que o silêncio não pode gerar obrigações, a menos que haja estipulação expressa em contrário. Além disso, destacaremos que essa prática não deve ser admitida em relações de consumo ou contratos de adesão, com o objetivo de proteger a parte mais vulnerável nesses acordos.
O princípio do consensualismo é uma das bases do Direito Contratual, estabelecendo que o contrato é formado pelo acordo de vontades das partes envolvidas. Isso significa que, para que haja um contrato válido, é necessário que haja um consenso mútuo, expresso de forma clara e inequívoca.
Nesse contexto, o silêncio não pode ser interpretado como uma manifestação válida de vontade para celebrar ou modificar um contrato. Em outras palavras, não se pode presumir que o simples fato de uma pessoa permanecer inerte diante de uma proposta ou alteração contratual implique em sua concordância.
Há situações em que a doutrina jurídica reconhece a possibilidade de tácita renúncia de determinados direitos, mas essas exceções são restritas e específicas, não se aplicando ao campo das contratações e alterações contratuais.
A renúncia tácita ocorre quando uma pessoa, mediante comportamento ou omissão, deixa transparecer sua intenção de abdicar de um direito. Contudo, é importante enfatizar que essa concepção é aplicável a direitos subjetivos, como alguns direitos pessoais, e não a aspectos essenciais de um contrato, que requerem expressa manifestação de vontade.
Os contratos de adesão são acordos pré-elaborados por uma das partes, sem que a outra tenha a possibilidade de negociar ou alterar suas cláusulas. Em geral, são utilizados por grandes empresas e instituições em relações de massa, como em serviços de telefonia, planos de saúde, entre outros.
Já as relações de consumo são aquelas estabelecidas entre fornecedores e consumidores finais. Nesse contexto, o consumidor é a parte mais vulnerável, visto que não possui o mesmo poder de negociação e influência que a empresa detentora do contrato.
Dada a assimetria de poder nessas relações, é fundamental a proteção dos consumidores contra práticas que possam ser abusivas ou prejudiciais aos seus interesses. Permitir que contratações e alterações contratuais ocorram tacitamente, por meio de e-mails ou correspondências não respondidas, colocaria o consumidor em uma posição de desvantagem, com potencial para impor cláusulas desfavoráveis sem seu consentimento explícito.
Para garantir a validade e a segurança jurídica dos contratos, é imprescindível que todas as cláusulas relevantes sejam expressas de forma clara e inequívoca. A manifestação de vontade das partes deve ser objetiva e não deixar margem para interpretações dúbias.
Portanto, qualquer contratação ou alteração contratual deve ser formalizada por meio de um acordo escrito, devidamente assinado ou comprovado por outros meios seguros de autenticação. O uso de e-mails e correspondências não respondidas não atende a esse requisito essencial e pode levar a litígios e insegurança jurídica.
Em síntese, é fundamental sustentar a impossibilidade de contratações e alterações contratuais tácitas, por e-mails e correspondências não respondidas, no âmbito do Direito Contratual. O princípio do consensualismo requer expressa manifestação de vontade das partes, e o silêncio não pode gerar obrigações, a menos que haja previsão expressa em contrário.
Essa prática não deve ser admitida em relações de consumo ou contratos de adesão, pois poderia favorecer a imposição de cláusulas prejudiciais ao consumidor, que muitas vezes não tem poder de negociação ou conhecimento jurídico para questionar os termos do acordo.
Assim, a proteção do consenso mútuo e da clareza contratual é essencial para promover relações comerciais justas, equilibradas e em conformidade com os princípios do Direito.
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