E se o valor do conserto supera o do produto?
A vida moderna traz uma série de novas tecnologias que facilitam a nossa vida e a deixam mais confortável. Todos os dias são lançados novos aparelhos que possuem características melhores que a linha anterior.
Contudo, às vezes num curto espaço de tempo, os produtos apresentam algum defeito e se fazem necessários reparos para que os aparelhos voltem a ter integralmente funcionais.
Em alguns casos, o consumidor é surpreendido com orçamentos par reparos que superam o valor pago pelo produto, ou, até mesmo, quando lançada uma nova linha, o valor do reparo supera o valor do produto de um linha mais nova.
Diante de um cenário no qual o reparo é mais caro que o produto, ao consumidor em plena saúde mental só vislumbraria a aquisição de um produto novo.
Ocorre que essa cobrança pelo reparo em valor superior ao valor do produto consubstancia prática abusiva e configura violação aos direitos do consumidor.
Isto em razão da violação do dever de informação, da violação à boa-fé, da existência de vício oculto e da equiparação da cobrança de absurdo valor ao não fornecimento de peças de reposição.
Não se pode deixar de mencionar que se trata de uma prática altamente agressiva ao meio ambiente, que gera o lançamento de resíduos tecnológicos no meio ambiente.
Nesta linha de entendimento, transcrevemos o julgado da justiça fluminense em um caso que o valor do reparo de uma televisão era superior ao de uma televisão nova.
Alega a parte autora, em síntese, que adquiriu uma televisão de fabricação da ré em 06/08/2013, no valor de R$ 4.487,12. Afirma que, em 28/12/2017, observou que a tela do televisor não funcionava, pois a imagem ficava distorcida e cortada. Relata que ao encaminhar o televisor à assistência técnica, foi informada de que o reparo necessário seria a troca do painel de LED, com um custo total orçado de R$ 6.200,00. Assevera que o valor do conserto é exorbitante. Requer a condenação da ré para efetuar o pagamento do valor de R$ 6.141,50, correspondente ao valor atualizado do bem; e para pagar indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Rejeito a preliminar de incompetência do juízo, já que a produção de prova pericial não é necessária para o deslinde da controvérsia. De acordo com o documento de fls.25/26, verifica-se a ordem de serviço, pelo que restou comprovada a existência do vício do produto. Os fatos sob exame caracterizam relação de consumo e devem ser analisados sob o prisma do CDC, que consagra a presunção de boa-fé do consumidor e o dever de informar por parte do fornecedor de serviços, devendo desde já ser invertido o ônus da prova conforme autoriza o art. 6º do CDC. Os fatos alegados na inicial são verossímeis e devem ser admitidos como verdadeiros em razão da prova da existência do vício, consoante documento de fls. 25/26. A ré, no intuito de ilidir a sua responsabilidade, alega que o prazo de garantia do fabricante se encontra expirado, razão pela qual não subsiste o dever de reparo dos alegados vícios. Registre-se que os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a proteger o consumidor contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa. Uma vez esgotados tais prazos, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa surgir. Ressalte-se que a doutrina consumerista, tem entendido que o CDC, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo haver responsabilidade pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. Assim sendo, independentemente do prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se espera, além de configurar um defeito de adequação, evidencia uma quebra da boa-fé objetiva. E é essa a hipótese dos autos, uma vez que após quatro anos de uso, o televisor apresentou defeito e a assistência técnica solicitou o valor de R$ 6.200,00 para efetuar o conserto, valor este superior ao que a autora despendeu na aquisição do produto. Com efeito, não é razoável considerar que a vida útil de um televisor seja de apenas quatro anos e que a ré possa exigir um valor exorbitante para efetuar o seu reparo. Desta feita, resta configurada a falha na prestação de serviço da ré, pelo que deverá restituir o valor despendido pela autora na aquisição do produto (fls. 24). Com relação aos danos morais, estes restaram caracterizados, tendo a parte autora frustrada sua legítima expectativa de fazer regular uso de seu televisor, e para tanto se viu obrigada a recorrer ao Poder Judiciário, o que lhe causou evidente transtorno, provocado pela má prestação do serviço, com violação aos princípios da transparência, confiança e boa-fé objetiva insertos nos arts. 4º e 6º do CDC. No que concerne ao quantum a ser fixado a título de indenização, incumbe ressaltar que a doutrina e a jurisprudência se encontram pacificadas no sentido de conferir dupla finalidade à reparação, que deve ser punitiva para o agente causador do dano e compensatória para o lesado, não podendo ser insignificante, nem tampouco fonte de enriquecimento sem causa. Observando ainda os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, e considerando a dimensão dos fatos aqui relatados, fixo a quantia de R$ 1.500,00 a título de reparação, por entendê-la justa e adequada para o caso.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS, para: a) condenar a pagar o valor de R$ 4.487,12 (quatro mil, quatrocentos e oitenta e sete reais e doze centavos) a título de compensação por danos materiais, corrigida monetariamente e acrescida de juros de 1% ao mês desde a citação; b) condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a título de compensação por danos morais, corrigida monetariamente, a partir da presente data, e acrescida de juros de 1% ao mês desde a citação.
Sem custas e honorários, na forma do art. 55 da Lei nº 9.099/95. Rio de Janeiro, 06 de abril de 2018. Adriana Fakhri Juiza Leiga Remeto os autos ao MM. Juiz Togado nos termos do artigo 40 da Lei nº 9.099/95, para posterior homologação.